Ele tem muitas faces.

Não. Não é um caso de personalidades múltiplas. Trata-se apenas de vê-lo sob diversos ângulos: o filho, o irmão, o homem, o marido, o pai, o profissional, o cidadão. Posso vê-lo também como estudante, político, filósofo; espírito, amigo, mentor.

Ele nasceu anônimo, na periferia de uma pequena cidade. Anônimo para a sociedade, tal como tem vivido os últimos setenta e poucos anos. Anônimo por ser humilde e modesto, nunca por insignificância, por inteligência medíocre ou por ausência de virtudes. Mas teve o privilégio de ser o querido primogênito de um casal que se amava e respeitava, obedecendo a princípios absorvidos com as múltiplas experiências e pela dedicação ao estudo a ao trabalho incansável no meio espírita quando ainda eram comuns a discriminação e o preconceito com “a doutrina do demônio”.

Ele sempre foi um rebelde e radical. Não que tivesse desvios de comportamento ou moral duvidosa ou ainda que pudesse ser considerado mau-caráter. Simplesmente se caracterizava por uma inconformidade em aceitar passivamente o tradicional sem um exame apurado e o uso imprescindível da razão.

Na infância, não deu sossego aos mestres, numa época em que a educação era monopolizada pela religião, com a força do seu poder e pensamento tradicionalmente dogmático. Não se admitia lançar a dúvida quanto às verdades tidas como inquestionáveis. Adulto, não se conformava com a ordem vigente, colocando em risco a segurança própria e de sua família na defesa de seus ideais.

Ele nunca foi religioso no entendimento mais usual. Nunca foi afeito às atitudes piegas de contrição, de devoção, de idolatria, de superstição.

Ele é uma pessoa bem humorada e que sempre tem uma saída inteligente para as situações mais simples como para as mais delicadas.

Ele é espírita e foi minha referência desde as primeiras investidas para a busca desse conhecimento. Ele esteve presente em todos os movimentos do Espiritismo e acompanhou a sua evolução na cidade em que nasceu e vive até o presente.

Hoje, quando me olho o vejo num outro tempo, com oportunidades diferentes, com outras experiências e num contexto diverso, como se fosse ele vivendo a minha vida. Imagino que se eu tivesse vivido no seu tempo, vivenciando todos os episódios de sua vida, seria exatamente como ele foi quando teve minha idade.

Durante nossas caminhadas matinais observo o seu passo forte e decidido, mas já vacilante em função de um organismo físico debilitado pelo tempo e incapaz de refletir a jovialidade espiritual e a agilidade de pensamentos. Então eu o olho e me vejo no futuro, se tiver, como ele, a felicidade (ou não!?) de chegar até lá.
Mas, pensando bem, a sua presença, o seu pensamento, a sua postura, sempre me infundiram confiança e segurança. Lembro-me que na infância, em momentos de aflição e medo, quando os pesadelos me inquietavam, quando me aterrorizava o desconhecido, quando a escuridão me dava pavor, o primeiro grito que me saia da garganta era: PAAAI!

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