A mediunidade, definida por Allan Kardec como sendo a “faculdade dos médiuns”¹— estes tidos por “intermediáriosentre os Espíritos e os homens”²— é inerente ao ser humano, sendo, portanto, coincidentes o aparecimento de um e de outro. Nela costumam recair as causas de muitas mazelas.

Se considerássemos a faculdade mediúnica conforme se vulgarizou no Movimento Espírita, concluiríamos que ela seria para o homem um pesado fardo que carrega desde sua origem, pois ordinariamente é vinculada à dor e ao sofrimento. Compreendemos que tal visão é oriunda de uma distorção interpretativa que se generalizou devido à carência de esclarecimento quanto à verdadeira natureza das sensações pessoais ligadas às influências espirituais perniciosas que tendem a se salientar na medida da rebeldia e da ignorância.

Tornou-se comum no meio espírita atribuir tanto mais mérito quanto mais sofrimento suporta o indivíduo, como se o único caminho possível para evoluir fosse através da dor. Tão vulgarizada é essa idéia que a grande maioria das dissertações biográficas de famosos médiuns dão significativa ênfase ao que sofreu na vida terrena.

Não entendemos assim. Concordamos sim que a dor é um poderoso aguilhão que conduz o indivíduo a reflexões profundas e que muitas vezes a mediunidade desempenha um papel de significativa importância nesse processo, sendo, por vezes, veículo de muitos desajustes. Entretanto, só precisam passar pelas duras provas do sofrimento aqueles que recalcitram, rebeldes com a lei de evolução, ou aqueles que escolhem exemplificar a resignação, a perseverança e a confiança na vida que transcende à matéria bruta. Isto independe do fato de se possuir ou não a faculdade mediúnica.

Não admitimos a dor como condição necessária ao crescimento espiritual porque ao concebemos Deus infinitamente justo e bom, seríamos incoerentes se cogitássemos da possibilidade de Ele destinar às suas criaturas o sofrimento e não a felicidade.

Além disso, mediunidade não deve ser considerada instrumento de punição e sim ferramenta de trabalho e, portanto, oportunidade de crescimento espiritual. Através dela nós testemunhamos os mais diversos dramas pessoais e as mais diversas condições dos espíritos desencarnados, sempre como conseqüência de suas próprias escolhas durante o estágio no corpo físico ou fora dele.

Portanto, a mediunidade não é causa de dor e sofrimento, mas instrumento para combatê-los.

Urge, no entanto, uma revisão conceitual e de postura no trato com a prática mediúnica.

Em primeiro lugar, o combate à dor e ao sofrimento acima referidos deve estar focado nas suas causas, que, via de regra, são frutos da ignorância. Conseqüentemente, atacando esta com informações corretas, esclarecendo pontos do Espiritismo que para a maior parte das pessoas são obscuros, estaremos automaticamente eliminando ou amenizando aquelas.

Evidentemente quase totalidade das pessoas que procuram as Instituições Espíritas, o fazem no intuito de encontrar solução para seus problemas mais imediatos sem questionar das suas causas e sem cogitar em mudanças significativas no seu viver porque não compreendem a Filosofia Espírita. Faltam-lhes informações sobre a sua própria natureza que lhes sustentem atitudes fundamentais para o bom encaminhamento da sua vida. Neste caso, cabe aos dirigentes desvincular da Instituição a idéia de “hospital”, como freqüentemente se vê, estimulando o raciocínio, o questionamento e daí encaminhando ao estudo, à pesquisa, à informação, necessários para o acréscimo de conhecimento que sustentará atitudes de mudanças imprescindíveis ao avanço moral e intelectual.

Nunca devemos atribuir à mediunidade os males provenientes dos desequilíbrios inerentes às obsessões nas mais diversas formas que se apresentam. O maior argumento favorável a este ponto de vista é que não raro desaparecem as manifestações mediúnicas à medida que são resolvidos os problemas da obsessão. Afirmativas como “o problema é de mediunidade” ou “é necessário desenvolver a mediunidade” ou “só ficará bem se integrando num grupo mediúnico”, são totalmente inúteis e improcedentes.

A faculdade mediúnica precisa ser tratada como natural, inerente ao ser humano, e não como um dom especial do qual são possuidoras algumas poucas pessoas predestinadas. Assim também nosso relacionamento com os espíritos, tratando-os como companheiros que estão conosco no desenvolvimento de uma tarefa.

Entendemos que é premente a necessidade de atualização do Espiritismo, sob pena de ficarmos presos no passado, desvinculados da realidade atual. As nossas reuniões mediúnicas precisam ser revistas.

Entretanto, qualquer coisa que desejemos atualizar precisamos conhecer profundamente. Com o Espiritismo não pode ser diferente e este trabalho precisa ser feito em conjunto com os desencarnados tal como Kardec procedeu na organização da Doutrina Espírita.

Não estamos aqui preconizando um retrocesso ao século XIX ou simplesmente uma volta às origens e começar tudo de novo. Kardec foi e é insubstituível na função que exerceu com esmero. Ao contrário, precisamos aprofundar nosso estudo do seu tempo, as correntes filosóficas e o conhecimento científico de sua época para melhor compreendermos o seu pensamento, formando um alicerce seguro na construção dos novos conhecimentos que afloram a todo instante na humanidade.
¹ O Livro dos Médiuns, 2ª Parte, Cap. XXXII

² O Livro dos Espíritos, Introdução, item IV.

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