Todos os dias escutamos, idealizamos e até falamos expressões que são típicas de algumas ciências, como por exemplo: usamos da física relativista para dizer que “tudo é relativo”; da termoquímica para dizer que “vamos evaporar”; da psicologia então, estamos cheios de expressões, tais como: “ela é histérica”, “ele é inconsciente”, “ela é recalcada” e tantos outros. Muitas vezes nem sabemos o que estamos dizendo quando expressamos essas palavras, ou melhor, as utilizamos de acordo com o que fora absorvido por nós.


As Representações Sociais são teorias, saberes, que a sociedade elabora e partilha a partir de um determinado objeto, que pode ser da sabedoria popular ou de algum conhecimento científico que chega aos “ouvidos do povo”. Por exemplo: se eu perguntar sobre o que vem a ser a terapia através das células tronco, teremos respostas das mais variadas possíveis, mas teremos uma ou algumas respostas que estarão presentes na maioria delas. As variações são de acordo com o nível de conhecimento. Como o conhecimento sobre as células tronco ainda são remotas, então o nível de entendimento da grande maioria da sociedade se restringirá a poucas respostas. Quem está pesquisando sobre o assunto é que realmente pode dizer o que vem a ser e para que se destina tal terapia. Ou não. As respostas que damos têm por objetivo interpretar o real. É a partir das inúmeras interpretações do real que fazemos, dos inúmeros fenômenos que existem na sociedade e através desse dinamismo (conhecimentos novos que surgem a todo momento) que os indivíduos produzem comportamentos e interagem com o meio.


Dentro da teoria das Representações Sociais temos dois processos, chamados de Ancoragem e Objetivação. Esses processos são criados para tornar o não-familiar em familiar, pois o novo incomoda, é estranho.


A Ancoragem é o processo pelo qual procuramos classificar, encontrar um lugar para encaixar o não familiar. Ou seja, procuramos um lugar em nossa vivência para encaixar aquilo que nos é novo. Muitas vezes é ameaçador, por colocar em risco todo o nosso paradigma. Já a Objetivação é o processo da busca de tornar concreto, visível, essa nova realidade. Um exemplo quem dá é Sergi Moscovici, o “pai da teoria”, ao dizer que ao chamarmos Deus de Pai, estamos objetivando uma imagem jamais visualizada.


Faremos uma breve análise do Movimento Espírita Brasileiro a partir dessa perspectiva. Por ser uma Doutrina nova, o espiritismo trouxe muitas novidades, como também, explicações novas para fenômenos antigos. Essa “novidade” adentrou na sociedade de acordo com o que a sociedade poderia absorver. Do mesmo jeito aconteceu com as grandes descobertas científicas.


A “novidade” espiritismo chegou numa sociedade católica, portanto mergulhada em suas representações simbólicas e concretas do catolicismo. Então os primeiros espíritas ancoraram o espiritismo de acordo com o que lhe é conveniente, tendo o mínimo de conflitos com o que já lhe era familiar. Um exemplo disso é que o livro mais vendido e falado da Codificação Espírita é o Evangelho Segundo o Espiritismo, por se tratar de uma obra que, em sua forma, já lhe é familiar. Então, a partir do Evangelho Segundo o Espiritismo o que era estranho, invisível, tornou-se familiar, concreto. É com o ESE que não vou deixar cair por terra tudo o que foi aprendido anteriormente, é com ESE que encaixo as minhas práticas religiosas nessa “novidade” (espiritismo). Isso foi uma prática errada? — Não. Era a necessidade da época. Hoje é que esse imaginário católico não cabe mais no MEB. Nossos maiores exemplos de homens espíritas são aqueles que deixam tudo para trás e se voltam exclusivamente para “a causa” (Chico Xavier x Francisco de Assis). Os “grandes” espíritas são aqueles que são solteiros, castos, que vivem para as pessoas. Lembram bem os padres e freiras que são exclusivos para as missões católicas. Outros exemplos: “água fluidificada”, “o espiritismo é a verdade”, “o dirigente espírita é aquele escolhido pela espiritualidade superior”, “a encarnação é para pagar erros com sofrimento e devemos nos resignar”, “temos que ter uma Casa Máter”, valorização do sofrimento de Jesus, erraticidade, etc.


Voltando às expressões do primeiro parágrafo, se perguntarmos às pessoas nas ruas o que é a Doutrina Espírita, veremos que a representação social dela (espiritismo) não condiz com o que realmente ela é. Se fizermos então uma pesquisa sobre os postulados espíritas na rua, então é que teremos respostas que não condizem com o que realmente a Doutrina Espírita quer dizer. Mas por mais surpreendente que possa parecer, lanço um desafio a todos nós:
— O que é a Doutrina Espírita? Condiz com o que realmente Kardec concebeu?

Então não fiquemos chateados se nas novelas, filmes, teatro, músicas, ou se ouvirmos por aí coisas absurdas a respeito do Espiritismo, pois além das pessoas ancorarem de acordo com as suas necessidades, os espíritas não estão comunicando corretamente a Doutrina Espírita, de maneira clara e isenta de moralismos.

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