A experiência humana é algo realmente intrigante e singular. O ser humano é ontologicamente condicionado a exercitar sua liberdade, abrindo diante de si um leque de possibilidades de autoconstrução. Nesta perspectiva, os axiomas, as verdades inexoráveis, as regras rígidas, as padronizações de comportamento que verificamos em nossa civilização de massa se revelam como um contra-senso atentatório ao inacabamento inerente a cada um de nós.
Realmente, cada vez mais me convenço do profundo ensinamento psicológico contido no famoso mito da caverna de Platão. Como contradições ambulantes, imputamo-nos entraves e grilhões que nos fazem prisioneiros de nós mesmos. Ansiamos profundamente a nossa liberdade. Lutamos séculos pelo direito de sermos nós mesmos, sem intromissões exteriores e, entretanto, criamos valores dogmáticos, idealizamos padrões de vida rígidos que chocam-se com aquilo pelo qual tanto lutamos.
E não pense o leitor mais desavisado que isto é uma crítica à pós-modernidade tão somente. Na verdade, em que pese os efeitos desta contradição serem sentidos com mais intensidade nesta época de niilismo, o fenômeno ocorre desde o início de nossa trajetória neste mundo como uma linha invisível que liga os homens de todas as épocas em uma dialética existencial. Assim, a afirmação comum nos dia de hoje de que estamos vivendo numa sociedade sem valores é equivocada. O que há é uma superação de valores antigos e sua substituição por outros. Os discursos de outrora não convencem mais, contudo isto não se significa que vivenciamos um vazio ideológico. Pelo contrário, presenciamos no cotidiano o soerguimento de idéias com novas linguagens, novos matizes, mas com a mesma capacidade de abafar a nossa humanidade com a mesma propensão a nos fazer alienados de nós mesmos. E o pior é que estão nos convencendo.
Temos que acreditar em nossa predisposição ôntica para buscarmos a superação do que está posto. O rígido, o sólido, o dogmático, adjetivações que também valem para os discursos ultra-relativistas, são conseqüências de nossas crenças na exaltação do que está fora. O importante é tomar posse da nossa essência e ter consciência da nossa capacidade de escolha. É enxergar as possibilidades que a vida nos dá, entendendo que o sentido da vida é a própria vida, são as escolhas que ela nos proporciona. Por isso, prefiro sempre a dúvida de Shakespeare: “ser ou não ser, eis a questão”. Desde que seja eu quem decida isto.