OPINIÃO - ANO XXIII - Nº 250 ABRIL 2017
Esse é um ditado muito utilizado pelos críticos das religiões. Mas o que ele significa? Para o senso comum, talvez ele passe a lição de que a religião é tão ruim quanto uma droga ilícita e alucinógena, que ilude as pessoas com prazeres efêmeros, viciantes e que tem como consequência a alienação em relação à realidade concreta. A vida passaria e a pessoa não perceberia o sistema econômico-político que a oprime e a explora para o benefício de uns poucos, pois estaria entorpecida pelas ilusões criadas por aqueles que dominam a sociedade, com o precioso auxílio de lideranças religiosas.
Não era bem isso o que Karl Marx (1818-1883) queria dizer quando escreveu essa frase. Segundo nos ensina o sociólogo brasileiro Michael Löwy (1938-), em seu curso online gratuito “Sociologia Marxista da Religião”, Marx usou a famosa frase no texto “Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, de 1844, em sua juventude – portanto, antes mesmo de desenvolver sua teoria... isto é, o marxismo não existia!
E o ópio? Naquela altura do século XIX o ópio ainda não era visto como uma droga indesejável e destrutível. Muitos poderiam pensar que o ópio sempre foi considerado uma substância socialmente combatida, mas a história demonstra que o sempre é algo muitíssimo raro. Segundo Löwy, o ópio era frequentemente utilizado para fins medicinais, como no caso da insônia e para aliviar dores, notadamente numa época de poucas alternativas farmacêuticas, sobretudo para os mais pobres.
Mas o que Marx escreveu, afinal? “A angústia religiosa é ao mesmo tempo a expressão da dor real e o protesto contra ela. A religião é o suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, tal como o é o espírito de uma situação sem espírito. É o ópio do povo” (Marx apud Löwy, 1998). Naquele contexto, Marx, ateu convicto, já era crítico da religião. Contudo, reconhecia seu papel ambíguo, de alívio para o sofrimento do povo.
Marx faz uma análise mais profunda do papel da religião sob o prisma materialista histórico no texto “A ideologia alemã”, de 1846. Posteriormente, desinteressa-se pela religião como algo fundamental para compreender a sociedade. Sua obra principal, “O Capital”, que começa a ser publicada em 1867, não faz da religião um eixo central de análise.
Alguns importantes autores marxistas, entretanto, estudaram seriamente o papel da religião na sociedade e o mais destacado naqueles primórdios era justamente o grande parceiro de Marx, o também alemão Friedrich Engels (1820-1895). Engels, sim, ocupou-se do estudo da religião como uma máscara para os interesses da burguesia. Löwy reconhece a importância seminal de Engels para esse tipo de análise nas ciências sociais, mas considera-o algo equivocado ao minimizar o papel sincero que a religião exercia na vida das pessoas. Não conseguia compreender como, após a Revolução Francesa, que fez de tudo para retirar a coisa divina dos assuntos políticos do Estado, líderes comunistas franceses se declaravam cristãos, e defendiam que o comunismo era o cristianismo moderno. O mesmo ocorria com importantes lideranças comunistas na Alemanha. Na Inglaterra, um dos principais criadores do 'socialismo utópico' era Robert Owen (1771-1858) que, apesar de crítico da religião, converteu-se ao espiritualismo no final de sua vida. Seu filho, Robert Dale Owen (1801-1877), radicado nos Estados Unidos, também era socialista e adepto do espiritualismo, um movimento com paralelos ao espiritismo surgido na França.
A religião exerce papel fundamental na vida das pessoas, nos mais variados tempos históricos e nos mais diversos cantos do planeta. Atualmente, assistimos a diferentes fundamentalismos religiosos no mundo e, no Brasil, a religião tem entrado de novas e perigosas formas no mundo político. É claro que a religião não é intrinsecamente ruim. Ela pode, sim, ao organizar princípios morais e introduzir o contato com a espiritualidade, contribuir para uma sociedade mais ética e solidária. O espiritismo religioso muitas vezes cumpre esse papel, promovendo consolo e oportunidade de renovação para muitas pessoas. Mas, pode também levar a um fanatismo eivado de dogmas e rituais, afastando as pessoas dos ensinamentos de tolerância, solidariedade e busca de esclarecimento deixados pelo próprio Cristo.
O tema é polêmico e pode-se refletir sobre ele por diversos ângulos. Pelo prisma das Ciências Sociais, o curso online “Sociologia Marxista da Religião”, de Michael Löwy, ajuda a compreender melhor algumas funções históricas da religião, como solidariedade, revolução e ópio do povo.
BIBLIOGRAFIA
Löwy, Michael. (1998). Marx e Engels como sociólogos da religião. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, (43), 157-170. https://dx.doi.org/10.1590/S0102-64451998000100009. Acesso em 27/11/2016
Löwy, Michael. (2015). Sociologia Marxista da Religião. Editora Boitempo. https://blogdaboitempo.com.br/2015/11/11/confira-os-videos-do-curso-sociologia-marxista-da-religiao-de-michael-lowy-na-tv-boitempo/. Acesso em 27/11/2016.