Muito se debate se o espiritismo é uma religião, se é uma ciência, se é uma filosofia, uma ciência-filosófica com fins morais, uma ciência-filosofia-religião, enfim, são tantas denominações que muitos falam, teorizam, debatem, até brigam, mas não chegam a conclusão alguma.

O mais importante, a meu ver, não é a definição que dou à Doutrina Espírita, mas que perspectiva tenho dela. Não é uma simples questão de ponto de vista. Ponto de vista, opinião, teorizações, muitas vezes ficam no discurso, mas na prática, na vivência, na experiência íntima é diferente. A questão da perspectiva é diferente, tem relação com a percepção, não somente a sensorial e extra-sensorial, mas uma percepção consciencial que vai além de uma simples interpretação do que é estimulado. Perspectiva está intimamente ligada à atitude, ação, pensamento. Cada perspectiva tem suas vantagens e desvantagens de uma outra perspectiva.

Algumas pessoas têm da Doutrina Espírita uma perspectiva religiosa, então podemos compará-la com outras religiões, seja no corpo litúrgico, doutrinário ou dogmático. Nessa perspectiva, algumas características religiosas estão mais evidentes que outras. Sendo uma religião, não posso deixar de ter rituais, dogmas, hierarquias sacerdotais, etc. Os poderes são gerados, de forma não-democrática, em um “consenso” que agrada poucos e desagrada muitos. Normalmente nessa perspectiva os laços fraternais aparentemente são mais estreitos, onde cada um se vê como um irmão, como alguém que comunga com as mesmas opiniões. A experiência espiritual é que define a fé e a sua qualidade, como também está, geralmente, acima da razão e da lógica, ou seja, leva-se mais em conta o fenômeno que a sua utilização prática. O estudo crítico fica em segundo plano e, quando existe é em virtude de uma compreensão da “verdade”. Para essa perspectiva pode-se incorrer em achar que o espiritismo tem a chave para todas as respostas. O espiritismo é “A Verdade” e as outras religiões ainda não chegaram ao patamar do espiritismo. Se não tem a resposta, é porque “ainda não alcançamos” a evolução suficiente para entender a resposta. A assistência social é algo imprescindível.

Numa perspectiva científica, exageradamente científica, o que fica mais evidente é a razão, as teorizações, o estudo, a refutação de algo sem explicação lógica. Nesse cientificismo exagerado, a prática social é deixada de lado. Não se dá assistência porque é contra o assistencialismo, acaba por não poder fazer o “trabalho que deveria ser feito”, por não ter condições de fazer um “trabalho bem feito”, então não faz nada. Ainda, nessa perspectiva, tudo deve ter uma utilização prática, não adianta apenas o fenômeno, mas o porquê, para que, e como ocorreu, numa objetividade exagerada que se perde diante da imensa subjetividade humana e espiritual. As hierarquias não são sacerdotais, e quando há, geralmente é em função da inteligência, da produção bibliográfica. Também pode-se incorrer na não-democracia. Se exagerar na racionalização pode-se ficar meio amargo, meio desumano, os laços fraternais não são mais prioridades, mas o aprender, produzir, contestar.

Numa perspectiva filosófica, a especulação está em primeiro lugar. Geralmente fala-se muito bem, tem muita retórica, muito embasamento teórico, é cheio de perguntas que não se tem resposta alcançável ainda, e gosta de colocar os que têm a perspectiva religiosa em uma situação embaraçosa por não ter a resposta. Sabe que a Doutrina Espírita não responde a tudo, mas gosta de questionar os que assim pensam (perspectiva religiosa). Tem pouca prática e muito estudo. Não é do trabalho braçal, é do trabalho intelectual, por achar o mais importante. Geralmente tem respostas e gosta de lançar perguntas ditas polêmicas para os que assim acham.

A partir de uma perspectiva de Ciência, Filosofia e Religião, parece ser uma visão completa, acabada da Doutrina Espírita, mas, da mesma forma que as perspectivas anteriores, pode-se achar que a Doutrina Espírita é a verdade absoluta, por abarcar as três mais importantes áreas do conhecimento humano. Como também, pode-se achar que a Filosofia indaga, a ciência responde e a religião consola. Ou seja, é “completa”, não precisa de mais nada, já que temos as perguntas que necessitamos, as respostas a essas perguntas, e ainda, o consolo para as nossas dores. Se assim fosse, não teria um espírita sofredor. Alguns dizem: “se não entendeu, é porque você ainda não alcançou”. Lembra o que dizem outras pessoas de algumas religiões: “se não conseguiu é porque a sua fé é pouca”. Uma perspectiva completa da Doutrina Espírita não deixa margens para novos aprendizados, e, ainda, leva-nos a ficar ortodoxos, radicais, donos da verdade, já que ela está aqui, ao meu alcance e a tenho na estante da sala.

Ciência, Filosofia e Moral. Assim definem muitos, por não gostarem da palavra religião, ou de não comparar a Doutrina Espírita com outras religiões. Muitas vezes, ficam apenas na escrita, nas palavras, nas teorias, pois na prática, é como se fosse uma religião, perspectiva muito parecida com a da ciência-filosofia-religião, com nomenclatura diferente, apenas. São raros os que vêem diferente.

Então, quanto às perspectivas, volto a insistir que é a partir delas que vivemos. A nossa identidade é formada por uma série de fatores físicos, psíquicos, espirituais e sociais que moldam a nossa personalidade. Nossa perspectiva da profissão, da família, dos amigos, do trânsito, de saúde, etc. Não só absorvemos essas experiências, mas as expressamos de acordo com nossa perspectiva de vida, de acordo com o conjunto de fatores que compõem a nossa existência. Conseqüentemente, nossa atitude perante a Doutrina Espírita será de acordo com a nossa perspectiva dela. Entenda-se atitude como um conjunto de afetos, crenças, intenções e comportamento.

Particularmente, prefiro ter uma perspectiva da Doutrina Espírita como um campo do conhecimento humano (e espiritual), ou melhor, o campo do conhecimento mais abrangente, que mais traz elementos que dão sentido as minhas buscas. Isso não quer dizer que ela preencherá as buscas de todos. Seria pensar como os que a acham a verdade absoluta ou que eu queira moldá-la à minha perspectiva de mundo. O caminho é o contrário. Não a moldemos, mas absorvamo-la como uma criança que respira o oxigênio pela primeira vez ao nascer: o ambiente novo incomoda, mas está pronta para o novo.

Partindo de uma abordagem sociológica, saindo do individual para o coletivo, apesar de não aprofundarmos nesse assunto agora, podemos indagar: qual a perspectiva que o Movimento Espírita Brasileiro tem da Doutrina Espírita? O espiritismo será aquilo que os homens fizerem dele, já alertou sabiamente Léon Denis. Não adianta muito o que foi escrito, mas o que fazemos dela e as atitudes que temos diante do que é apresentado pela Doutrina Espírita. Quais são minhas crenças, meu afeto, minhas intenções e expressões diante desse imenso território intelecto-moral que se me apresenta? O quanto estou aberto para adentrar em um novo campo? O quanto estou disposto a encarar as perguntas que me chegam à consciência quando mergulhado estou no espiritismo?

Há a perspectiva mais correta da Doutrina Espírita? Sim e Não. Porque mais importante que conceituar, apesar de ser imprescindível saber o que é e a que se propõe, é o que eu faço a partir dela, qual é minha atitude perante o mundo? Que contribuição posso dar a partir desses conhecimentos? Como vou crescer, progredir?

— Depende da minha perspectiva!

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