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* 26 de junho de 2017

 

 

É possível provar a sobrevivência do ser humano após a morte? É possível provar a existência do espírito? É certo que, se os espíritos existem, eles não se apresentam a qualquer momento (graças a Deus?), nem respondem a qualquer chamado que fizermos. Se existem, se podem aparecer e se comunicar, por que simplesmente não aparecem e se comunicam? Há, entretanto, registros de diversos tipos de eventos que escapam às explicações racionais na ausência da hipótese do espírito. Como seria possível uma pessoa que nunca conheceu outra citar fatos marcantes de sua vida particular, nomes de amigos e parentes, pertences específicos, eventos corriqueiros inconfundíveis e até trejeitos? Uma resposta possível seria uma capacidade paranormal de ler a mente alheia. Mas, e quando a pessoa cujas informações são reveladas já faleceu? Se alguém lê a mente de um morto, é porque esse morto está vivo?

Dois livros oferecem elementos para pensar sobre isso: Mediunidade e Sobrevivência: um século de investigações, de Alan Gauld; e Cartas da Imortalidade: os espíritos escrevem a seus familiares, de Nilton Sousa (e espíritos diversos). O primeiro livro discute a possibilidade da existência do espírito pelas lentes dos estudos psíquicos laicos e com pretensão científica. O segundo parte da doutrina espírita kardecista e toma a existência do espírito como pressuposto, buscando oferecer evidências disso. Aquele vai na linha de Charles Xavier. Este na do Chico Xavier.

Antes de prosseguir, uma nota explicativa: este texto que ora apresentamos é uma reflexão de quem apenas começa a lidar com as questões do espírito e, portanto, não tem nenhuma pretensão de oferecer palavra mais conclusiva ou mesmo mais completa sobre o assunto.

Publicado em 1982, o livro de Gauld, presidente da Sociedade Britânica de Pesquisas Psíquicas (SPR, em inglês), se propôs a revisar e sintetizar um século de investigações com pretensões científicas a respeito de fenômenos como os que aludimos no primeiro parágrafo. O eixo da discussão desse longo período de pesquisas é a chamada “super percepção extra-sensorial”, considerada a melhor hipótese alternativa à da existência do espírito. A “super percepção extra-sensorial” (Super-PES) seria um tipo de percepção que é diferente daquelas dos nossos cinco sentidos ordinários. Seria uma capacidade psíquica, mental, telepática, por meio da qual determinadas pessoas seriam capazes de vasculhar a memória de outras e obter informações muito específicas, como apelidos, endereços e maneirismos.

Para entender melhor a hipótese da Super-PES é útil diferenciá-la da simples “percepção extra-sensorial” (PES). Esta também se refere às percepções e sensações que não seriam captadas pelos nossos 5 sentidos tradicionais, como a intuição de seguir por um caminho ou outro para desviar de um perigo, a sensação de que alguém está nos olhando do outro lado da rua, o sentimento de que um familiar nos chama ou a sensação de certeza de saber o que o nosso interlocutor está pensando. Quantas vezes eventos desse tipo realmente não ocorreram conosco? Quantas vezes não estamos pensando numa pessoa e recebemos uma ligação ou mensagem dela naquele instante? Seria uma coincidência ao acaso ou uma percepção extra-sensorial?

Essas percepções extra-sensoriais, que são muito comuns e que dificilmente alguma pessoa diria que nunca as experimentou, diferem da Super-PES por causa da escala, da magnitude, do detalhamento. No caso da hipótese da Super-PES, por motivos que a ciência ainda também não forneceu explicações mais sólidas (até onde sei, e sei bem pouco...), algumas pessoas conseguiriam captar pormenores da vida de outras pessoas... falecidas; mortas. De que maneira? Pelo que pude entender do livro de Alan Gauld, e de forma bem sintética, tais indivíduos fariam isso de duas maneiras principais: 1) teriam a capacidade mental de visualizar/enxergar, à distância, fotos, notícias, livros cartoriais, diários, blogs, páginas de facebook, twitter etc., contendo informações do defunto; 2) Poderiam vasculhar a mente de pessoas que conheceram o falecido, colhendo no cérebro dos vivos informações sobre a vida dos que se foram.

Ilustremos essas proposições: Xavier vasculha a mente de Logan e encontra informações sobre Victor, irmão falecido de Logan. A partir das lembranças de Logan, Xavier diria: seu irmão Victor era católico e gostava de pudim. Portanto, esse Xavier estaria mais para o famoso professor Charles Xavier, mutante dos X-Men, e menos para o Chico, médium brasileiro. Dissemos também que pessoas dotadas de Super-PES poderiam ser portadoras de uma potente clarividência, podendo visualizar objetos sem limite de distância. Xavier, ao estilo do prof. X-Men, poderia visualizar o registro de nascimento de Victor num determinado cartório e dizer corretamente a Logan: seu irmão nasceu no Canadá. Até onde informado em Mediunidade e Sobrevivência, a Super-PES é considerada apenas uma hipótese pelos estudos científicos do psiquismo, mas é a principal alternativa à hipótese da existência do espírito. Gauld aponta no livro as dificuldades de se comprovar cientificamente a hipótese da Super-PES. Abordá-las aqui tornaria este texto despropositadamente complexo e longo.

Já o livro Cartas da imortalidade busca oferecer evidências acerca da existência do espírito. Trata-se de um livro psicografado pelo médium Nilton Sousa, na instituição espírita Lar de Clara, localizada em Caucaia, Ceará. Em sessões públicas, realizadas às claras e num pátio aberto, o médium transcreve para o papel mensagens destinadas a pessoas que estão na plateia. Imediatamente após o recebimento de todas as mensagens, o médium lê as cartas em público e as entrega aos seus destinatários, que às vezes se revelam pela emoção de ouvir seu nome ou apelido carinhoso citado, ou por reconhecer as particularidades de um traumático evento familiar. Tive a oportunidade de acompanhar uma sessão em julho de 2016, ocasião na qual comprei o livro. Ali, a função de Nilton se assemelharia à de Xavier, o Chico. Ou seja, ele afirma estar recebendo informações de espíritos de pessoas falecidas, e não lendo mentes encarnadas ou buscando informações em redes sociais por clarividência.

O livro Cartas traz comunicações de 23 espíritos, algumas delas com mais de uma carta. São espíritos de crianças, jovens, adultos e idosos que enviam notícias a parentes e amigos. Enviam consolo, esperança, mas também pedidos de desculpas e de pensamento positivo. Detalham circunstâncias de suas mortes e momentos singulares de alegria quando encarnados. Para nos atermos às nossas questões iniciais, há três tipos principais de evidências que sugerem a existência do espírito: 1) Informações objetivas que são desconhecidas do médium e que são posteriormente confirmadas pelos destinatários; 2) Estilos literários pessoais, ou seja, maneirismos, trejeitos, brincadeiras, bordões, e outras formas peculiares de se expressar; 3) Estilo técnico na forma da escrita, isto é, fortes semelhanças entre alguns traços e assinaturas grafados pelo médium em relação àqueles que os falecidos deixaram. Quanto aos dois primeiros tipos de evidência, é surpreendente ler as informações específicas nas cartas e, ao seu término, os comentários dos destinatários, que apontam as informações que foram passadas corretamente e que o médium não teria como saber de antemão.

Seriam esses conjuntos fortes evidências em prol da hipótese da existência do espírito? Ou a Super-PES faz mais sentido? Nilton Sousa estaria lendo mentes dos parentes vivos dos falecidos e, a partir delas, criando cartas como se fossem de autoria dos próprios falecidos para aliviar as dores dos vivos? Ou seriam os espíritos dos falecidos que estariam a lhe ditar as cartas? O que parece mais verídico: a mediunidade espiritual, de tipo Chico Xavier, ou o super poder mental, ao estilo do prof. Charles Xavier? Cada um que tire sua conclusão. Ou que no mínimo desconfie.

Bibliografia
GAULD, Alan. Mediunidade e Sobrevivência - Um Século de Investigações. São Paulo: Pensamento, 1986
SOUSA, Nilton. Cartas da imortalidade: os espíritos escrevem aos seus familiares. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2014.

*Thiago Lima da Silva. 
Professor de Relações Internacionais. Membro da ASSEPE.

 

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