Existe uma síndrome, denominada Síndrome de Williams, que recentemente despertou meu interesse. A Síndrome de Williams atinge 1 em cada 20.000 pessoas no mundo, não é hereditária e está ligada a deleções de aproximadamente 17 a 19 genes do cromossomo 7. As alterações gênicas promovem efeitos sobre o sistema cardiovascular, em decorrência da deleção do gene da elastina, além de redução do volume cerebral em cerca de 20%¹.

Os portadores da síndrome apresentam déficit na capacidade cognitiva, no raciocínio lógico, habilidades espaciais e coordenação motora. Contrastantemente, as pessoas portadoras da síndrome apresentam grande habilidade para música, criatividade para composições musicais, fortes reações emocionais à música e não apenas sensibilidade para audição musical, mas também para a execução instrumental dos mais variados e complexos tipos de melodias.

A descoberta e caracterização da síndrome têm trazido á tona uma discussão no mínimo intrigante sobre a reencarnação. Muitos espíritas ao conhecer pessoas com a Síndrome de Williams, normalmente não diagnosticada como tal principalmente no Brasil, apontam como sendo um exemplo clássico de evidência da reencarnação. Isso porque normalmente quando ainda crianças, os portadores da síndrome mesmo sem nenhum contato com a música são capazes de executar complexas composições musicais, fato esse caracterizado pelos espíritas como “lembranças de outras vidas”, onde certamente o indivíduo já tenha sido um grande músico em uma existência anterior.

Não estou aqui querendo pôr abaixo a certeza na existência da reencarnação, mesmo porque pelo simples raciocínio lógico é possível concebê-la com clareza. O que quero é chamar a atenção dos espíritas para uma situação que se torna cada vez mais alarmante: a distância e incompatibilidade cada vez maiores entre a ciência e a doutrina espírita, ou melhor, a incompatibilidade entre o avanço da ciência e a postura dos espíritas que engessaram o conhecimento espírita, impedindo seu avanço em conformidade com o progresso científico.

Fazendo um breve histórico sobre o surgimento da doutrina, onde Allan Kardec brilhantemente soube aliar os conhecimentos científicos mais avançados de sua época às informações trazidas pelos espíritos, fica mais fácil ainda perceber o quanto nos distanciamos dessa origem que garantiu, por muito tempo, a identificação do caráter científico e progressista da doutrina.

Nesse contexto, os avanços da ciência não devem servir para denegrir os conhecimentos espíritas, muito pelo contrário, devem ser utilizados como fonte de crescimento, ou pelo menos como estímulo a novas indagações aos espíritos ou novas formulações de conhecimento.

Para que isso se torne uma realidade, é necessária uma reformulação na visão geral dos espíritas, que normalmente tentem a “sacralizar” ou “biblificar” a doutrina espírita e seus princípios. É preciso entender que, reformular e crescer não implica em descaracterizar ou perder a base, não se trata de desrespeito ao que existe, mas sim de uma valorização daquilo que o próprio Kardec colocou como essencial para o engrandecimento do espiritismo: a sua evolução em parceria com a das ciências e do próprio ser humano. E aqui se entenda parceria no real sentido da palavra, onde não só a doutrina cresce com o apoio das ciências, mas as ciências e o homem também encontram fontes de crescimento pelo contato com a doutrina.

O exemplo da Síndrome de Williams convida-nos a muitas reflexões, não sobre a existência ou não da reencarnação, ou seja, sem querer discutir ou mudar o princípio básico, mas sobre os mecanismos da reencarnação, sobre como o espírito ou perispírito age na seleção ou até mesmo deleção de genes para garantir suas necessidades atuais de sobrevivência, sobre a ligação ou não desses espíritos com a música em reencarnações passadas, ou ainda sobre o fato da afinidade pela música ser em decorrência apenas das características da matéria.

Muitos questionamentos construtivos podem ser tirados de novos conhecimentos adquiridos nas várias áreas do conhecimento humano, e esses questionamentos, se bem conduzidos, podem trazer crescimento também para a doutrina espírita. Dessa forma o espiritismo se torna cada vez mais completo em sua essência, e torna-se capaz de ajudar a ampliar os horizontes das ciências com sua base espiritual.


¹ Referência: LEVITIN, D. J. et al. Neural Correlates of Auditory Perception in Williams Syndrome: An fMRI Study. Elsevier Science. V. 18, p. 74-82. 2002.

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