“Fora da Caridade não há salvação”. Esse parece ser o lema do espírita. Parece apenas. Será que temos a noção do que realmente seja caridade? Pelo pouco que temos percebido dos textos, artigos, palestras, e, principalmente da conduta diante de fatos sociais e de relacionamento interpessoal entre os espíritas, temos pouco o que dar exemplo de caridade.


Kardec na Revista Espírita, de dezembro de 1968, diz:


“A caridade é a alma do Espiritismo: ela resume todos os deveres do homem para consigo mesmo e para com os seus semelhantes; eis porque se pode dizer que não há verdadeiro Espírita sem caridade”.


Kardec alerta para a necessidade de autotransformação e para uma transformação social mais ampla. O verdadeiro espírita é aquele que todos os dias tenta melhorar-se, não é aquele que se diz e que os outros dizem que é um santo, mas é aquele que se esforça para melhorar-se. Cada pessoa é que verdadeiramente sabe de sua própria vida. Não são julgamentos alheios que fazem uma pessoa melhor ou pior, mas as suas reais intenções e ações. Não é uma questão de os fins justificarem os meios ou não, mas uma relação de coerência entre as ações e as intenções.


A caridade está associada ao outro, é uma relação humana.


Ficarei, no momento, com a questão social. Existe um grande debate sobre caridade e assistencialismo. Existe caridade social sem assistencialismo? Se existe, qual a fronteira entre a caridade e o assistencialismo?


Vamos a alguns pontos antes de voltarmos a essas perguntas e a uma maior reflexão. O assistencialismo é uma ferramenta de manutenção do status quo. É a partir dela que a classe dominante mantém a pobreza e mantém os pobres quietos, sem se rebelarem contra a situação social. O assistencialismo é paternalista, no sentido que usa dos bens materiais doados para dizer: “somos bons, queremos o seu bem”, “temos piedade de sua situação, tome um prato de sopa”. Talvez não digam essas palavras, para não parecer falso, mas são as expressões embutidas nas ações. É através do assistencialismo que não se investe em educação, saúde, melhoria na infra-estrutura, enfim, é dando o mínimo necessário para sobreviver e “manter paz”.


Voltando as questões postas anteriormente, existe sim, caridade social sem assistencialismo. Penso que, a caridade social existe quando é dada não somente a comida ou a roupa necessária para o frio e a fome, mas quando, a partir daí, se tenha uma responsabilidade humana (social) diante do outro. Não é apenas dar, mas educar. Não se trata apenas de “não dar o peixe, mas ensinar a pescar”, mas de conscientizar de sua situação social e humana. Educar para não ter apenas conquistas materiais, mas educar para ter uma conduta ética, consciente, que trabalhe para suas conquistas, mas que trabalhe também para conscientizar-se e conscientizar outros de sua situação. Deixar de ser produto do meio e passar a ser agente de mudança do meio. E só é caridade, se todas essas ações forem feitas sem interesses pessoais. Caridade anda junto com o desinteresse de ganhos pessoais, seja no campo material ou não. Do contrário não seria caridade. A fronteira entre o assistencialismo e a caridade está no bom senso. Ninguém deve negar assistência a quem precisa, mas a assistência não deve se transformar em comodismo. Não é uma fronteira definida em termos de tempo e quantidade, mas uma questão de ver se realmente precisa de assistência ou se já pode galgar outros passos em busca de sua consciência e responsabilidade diante do mundo.


Infelizmente, o Movimento Espírita, em sua grande maioria, pratica o assistencialismo com a maquiagem de caridade. As práticas dentro do centro espírita são de dar alimento e de doutrinar as pessoas “espiriticamente” para serem pessoas com “moral elevada”. No máximo, alguns centros oferecem cursos profissionalizantes. Mas será que é só dar o curso e pronto? O SENAI, O SESC e tantos outros serviços e ONG’s oferecem cursos profissionalizantes, mas nenhum deles conscientiza da situação social que vive o país. Essa prática espírita é dogmatizante, pois o que recebe ajuda encontra a mesma situação numa igreja perto da casa espírita, com a mesma proposta. Assim os espíritas igualam o Centro Espírita a uma Igreja de qualquer religião, que dá o pão e oferece os “ensinamentos de amor”. Está na hora do Movimento Espírita acordar para o seu real papel diante da sociedade, que é imenso. Vai do pão à conscientização, do recebimento ao amor, não da espiritização. Não é de espíritas que a sociedade precisa para melhorar, mas de pessoas conscientes de seu papel diante de si mesmo, do outro e do mundo, sendo espírita ou não.

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