Eu vi um menino correndo... Ele não fugia do juizado. Estava apenas brincando com amigos.

Eu vi o homem saindo da casa do vizinho carregando um botijão de gás... Ele não roubava. Estava apenas socorrendo a vizinha ao faltar combustível para cozinhar.

Eu vi o Zé da padaria, sorrateiramente, retirar dinheiro do caixa do Seu Joaquim, saindo apressadamente para a rua. Ele não furtava. Estava apenas seguindo as orientações do seu patrão para apanhar a quantia necessária e pagar uma conta antes que o banco fechasse. A atitude sorrateira era exatamente para prevenir-se contra olhares furtivos e mal intencionados que pudessem vê-lo sair à rua com dinheiro.

Eu vi a mulher do Manoel, na sua ausência, recebendo homem altas horas da noite. Ela não prevaricava. Estava apenas cumprindo o dever materno de assistir o filho enfermo, solicitando com urgência a presença do médico.

Eu vi... Eu vi muitas coisas com olhar arguto, perspicaz, mas repleto de sentimentos obscuros de uma personalidade pouco evoluída. Eu vi... E divulguei antes de saber o que exatamente estava acontecendo e, apesar de não ser explícita nas minhas maliciosas e precipitadas deduções, expressei-me num tom de voz que lançava a dúvida sobre o comportamento daquelas pessoas. O mal estava feito.

Não que eu quisesse deliberadamente fazer o mal àquelas criaturas, mas a minha mente estava contaminada pelo ambiente psíquico doentio que encontrou abrigo na minha ignorância e pobreza de espírito.

Senti o peito oprimido e uma profunda fissura na alma ao perceber a dimensão do mal que dei origem com minha atitude irrefletida. As palavras se multiplicaram e se avolumaram de tal maneira por onde passavam que se transformaram numa avalanche destruidora, levando as pessoas envolvidas para o fundo do abismo, sem que eu tivesse o poder de detê-las. Vidas e famílias foram jogadas na lama; crianças foram desviadas para o caminho do crime; mulheres com a reputação comprometida passaram por sérias privações e misérias; homens desiludidos com a sociedade e com a justiça passaram a praticar os crimes dos quais eram acusados injustamente; outros optaram por tirar a própria vida.

O remorso me consumiu. As chagas que se abriram em minha alma purgaram por um tempo aparentemente interminável até que, despertada por almas amigas, descobri que o tempo que se perde em lamentações pode se transformar em poderoso auxiliar na reconstrução de estruturas abaladas. Não só as que eu comprometi, mas principalmente minhas próprias.

Eu vi a criança desamparada e acolhi. Eu vi o menino com fome e alimentei. Eu vi o velho doente e tratei. Eu vi a ignorância e esclareci. Eu vi a sujeira e limpei. Eu vi a miséria e sanei. Falta-me, além de ver o criminoso ou o toxicômano, sustentá-los na caminhada rumo à regeneração.

Uma nova etapa se depara a minha frente neste momento em que tomo consciência das minhas necessidades e das carências que envolvem todos os seres. Sei que ainda tenho muitas falhas e imperfeições, mas já não fico mais lamentando os erros do passado e procuro ser sempre melhor para amparar sempre mais do que corrigir.

Agora que compreendo melhor a vida sei só poderei atingir a plenitude dos mundos felizes quando puder ver com os olhos da indulgência.

Meu nome é JUSTIÇA.

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