― Senhor! Sinto muito! O Senhor não pode entrar de bermuda.
Era o segurança da Delegacia da Receita Federal, se colocando à minha frente, constrangido, mas decidido a impedir a minha entrada.
― Por quê? ― quis saber ― Algo errado com minha bermuda?
― Não, Senhor. Mas são ordens.
― Não acredito! Isto é um prédio público...
Evidentemente não ficaria ali discutindo com o amável e educado segurança que estava apenas cumprindo o lhe foi determinado e não parecia satisfeito com o que fazia.
Como se fosse um adolescente rebelde, voltei para casa coloquei uma calça velha (menos decente que minha bermuda), que minha esposa já ameaçou colocar no lixo mais de uma vez, e uma camiseta com a propaganda “Agora é LULA!” de 2002.
Como esperado, minha entrada no prédio da Receita Federal não foi barrada.
Tenho muita dificuldade em compreender algumas decisões de pessoas que trabalham em gabinete, atrás de uma mesa, sentados e com ar condicionado.
Não há aqui qualquer restrição a atividades dessa natureza, desde que não interfira no trabalho do cidadão comum, honesto e trabalhador.
Estivesse aquele chefe no lugar do seu subordinado a entrada da repartição, eu lhe perguntaria:
― O que há de indecente na minha bermuda?
Não sei exatamente o que o chefe responderia, mas posso imaginar algumas alternativas.
Ele poderia dizer que é uma indecência mostrar as pernas numa repartição pública. Neste caso eu estaria forçado a concordar. Afinal, estou certo que minhas pernas devem provocar variadas reações emocionais. Desde asco até desprezo!
Mas ele poderia dizer que a proibição seria para evitar chamar a atenção de olhares libidinosos... Contra-senso! Precisaria mais que deficiência visual para detectar algum dispositivo acionador da libido pela simples visão das minhas pernas. Além disso, o que dizer das mulheres que vestem saias curtas e justas, ou mesmo calças “saint-tropez” (embora fora de moda) com cintura exageradamente baixa?
Poderia o nosso chefe apelar para o argumento de que muitas pessoas abusam e ao saírem da praia circulam por lugares públicos em trajes de banho.
Bem... Neste caso o fato real e verdadeiro não justifica uma proibição generalizada, criando transtornos na rotina do usuário comum. Primeiro porque é injusto muitos serem penalizados pelas atitudes de alguns. Segundo, porque se for caso de atentado ao pudor, o impedimento à circulação se estende até mesmo às vias públicas. Não se restringe ao prédio público. É caso de polícia.
Enfim, fico me perguntando: o que aquele chefe, cujo salário é pago pelo povo e cujo ambiente de trabalho é mantido com o dinheiro dos impostos recolhidos, faz durante seu expediente para se preocupar com os trajes de quem circula no prédio? Não haverá volume de trabalho suficiente?
Eu que vivo num lugar quente, onde muitas pessoas precisam vestir-se de forma mais cômoda, ainda que discreta e sobriamente, pergunto:
― Chefe, o que há de indecente na minha bermuda?